quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Avenida Liberdade #2

Lembro da primeira vez que eu vim a Avenida Liberdade. Lembro da tarde chuvosa, das roupas negras, lembro do impacto de enterrar entes queridos, lembro de meus pais. Lembro que ainda era muito novo, hoje posso calcular que tinha seis anos, mas não há definição de tempo quando você bota pra debaixo da terra, sem entender porquê seu pai e sua mãe.

Foi meu primeiro contato com a morte – já tinha visto gente morrer em filmes, mas ali era real. Não podia imaginar que a morte e aquela avenida iriam estar tão presentes em minha vida. Outra daquelas brincadeiras que nossa realidade prega.

Eu caminhei pela primeira vez pela Liberdade aos seis, há vinte anos. Não há um ano que eu não tenha que voltar ali para enterrar alguém importante. Acho que já vi tanto a morte que reconheço seu cheiro, e digo, parece com café forte – recém passado – cedo pela manhã.

“O amor é uma compensação pela morte”, já diria um filósofo alemão. Engraçado pensar assim e através da janela, que só mostra túmulos, só vejo amores passando. Deve ser meu lado ultra-romântico ou é o uísque fazendo seu efeito em plena tarde.

Esta é a hora onde você começa, novamente, a julgar-me insensível. E o sou, mas por motivos simples e claros. Não me venha com essa de bêbado, de escritor frustrado, de mal amado e similares.

Não vou negar minhas bebedeiras, mas já vendi bastante e posso dizer que sei o que é amor verdadeiro. Não a tenho perto de mim, verdade, mas posso imaginá-la deitada ao ver, do outro lado da rua, seu rosto esculpido em estátua de anjo.

Ela partiu dois anos atrás, mas nunca deixou de estar comigo. Vejo que é a hora de deixar o luto e contar minha história.

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